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Lendo O Hobbit pela primeira vez

E enfim chegou esse momento fatídico na minha vida. O momento em que li, pela primeira vez, uma obra de J.R.R. Tolkien. Confesso que suas obras sempre me despertaram certa curiosidade, mas conforme os anos iam passando era como se a responsabilidade fosse grande demais para encará-la. Quando pequena, a febre de O Senhor dos Anéis não passou por mim, e toda vez que eu tinha um vislumbre desse universo, eram pessoas mais velhas que estavam lendo-o. A começar pelo meu vizinho, que tinha um sebo na garagem de sua casa (o qual devo muito da Pri rata de biblioteca que sou hoje) e que era aficionado em O Senhor dos Anéis; mas que também adorava Harry Potter, e foi para esse lado que eu me rendi na época. Um tempo depois, vi uma matéria sobre fã-clubes numa revista que eu colecionava, na qual mostrava um cara que mediava um fã-clube de O Senhor dos Anéis e que inclusive gostava de se caracterizar como os personagens. Ele tinha 28 anos, e eu, com apenas 12, achei aquilo incrível. Porém, a Pri criança acabou perpetuando essa imagem na sua cabeça de que tal saga e, consequentemente, as demais obras do autor, fossem cabíveis apenas para o entendimento dos mais velhos ou mesmo somente para garotos em si. Ledo engano. Conforme cresci, me deparei constantemente com amigos, conhecidos, semi-conhecidos e diversas pessoas aqui e ali que nutrem esse carinho tão especial pelo universo de Tolkien. A essa altura, eu já sabia que seu legado de fãs era variado, mas a grandiosidade desse mundo e a importância dada a ele me intimidava, de modo que eu simplesmente deixei pra lá… até esse ano.

Eu estava com muita saudade de ler fantasia. De ficar imersa em personagens e lugares fantásticos outra vez e ser teletransportada para aquele sentimento gostoso de uma nova aventura, mistério e magia. Porque convenhamos, a gente precisa dessa fuga da realidade e, mais que isso, boas histórias nos fazem ter vontade de viver. E na atual conjuntura do mundo louco em que vivemos nós carecemos de ambas, desesperadamente.

Bom, eu não tinha ideia de onde começar; se ia direto para O Senhor dos Anéis ou não, se havia algo antes, se havia uma ordem específica… eu não sabia. Por mais que já tivesse ouvido muito a respeito por tabela, aquilo não fazia parte da minha vida, logo, não conseguia ligar os pontos. Fui então instruída por um amigo a iniciar minha jornada com O Hobbit, e assim o fiz. Detalhe que, dez anos atrás eu já havia assistido o mesmo no cinema, mas naquele dia fatídico minha energia estava voltada para outro acontecimento que eu teria no dia, de modo que não me lembrava de absolutamente nada do filme ou da história. E ainda bem.

Conforme lia e me familiarizava com os personagens e com a trama, fui compreendendo o fascínio das pessoas pelo universo e pela escrita de Tolkien. É tudo muito convidativo e acolhedor. Os personagens são cativantes, divertidos e queridos, ao mesmo passo que apresentam falhas e comportamentos com que nos simpatizamos e identificamos, facilitando essa conexão com a narrativa. Terminei a história completamente rendida e apaixonada, e decidi destacar os principais pontos que contribuíram para me conquistar e me deixar ávida por mais. Não vou me privar de escrever o que me vier à mente, então sim, spoilers se farão presentes no texto.

TRADUÇÃO

Não preciso ter lido o manuscrito original em inglês d’O Hobbit para apreciar a tradução feita para o português. A edição que adquiri foi a mais recente da Harper Collins, com tradução de Reinaldo José Lopes. Ele foi muito feliz e certeiro na escolha de certas palavras para adaptar para a nossa língua. Palavras como apoquentação, desacorçoado, disgramado, entre outras me arrancaram boas risadas e achei que funcionaram muito bem para ilustrar a personalidade e a realidade dos personagens. Devo dizer que gatunobbit ganhou um lugar especial no meu coração e, na minha opinião, ficou genial. Comparei com a versão em inglês, a qual está como burrahobbit, e não achei nem de longe tão boa. A bem da verdade, achei um tanto esquisita. Fica assim, pois, em inglês Bilbo é chamado de burglar – basicamente, um ladrãozinho. Gatuno me soa muito mais simpático e dá carisma ao personagem de Bilbo. Por curiosidade, vi uma tradução mais antiga da obra em português feita por outra profissional, a qual foi adaptado para ladrhobbit. Até que soa divertido, mas não tem o mesmo impacto e teor cômico de gatunobbit, ao menos para mim.

BILBO, O BOLSEIRO

Ah, como eu me identifiquei com Bilbo. Achei ele um personagem sagaz e apaixonante. O carinho e apreço que ele tem com o próprio lar, com o seu espaço. Como ele preserva (ou ao menos tenta preservar) a sua paz, mas, ao mesmo tempo, como é receptivo com os outros e não hesita em ajudá-los (embora lá no fundo ele só queira ficar sossegado). Como ele surpreende a si mesmo fazendo coisas que jamais imaginava que um dia seria capaz e, apesar do medo, vai com medo mesmo. Seguidas vezes ele não foi levado a sério, mas não deixou que isso o abalasse e mostrou o seu valor, independente do que os outros pensavam. Embora meio atrapalhado ele foi justo do início ao fim e não abandonou seus amigos em momento algum, mantendo suas boas intenções. Acho que não é cedo demais para afirmar que ele se tornou um personagem reconfortante para essa que vos escreve.

DESCRIÇÃO VISUAL DO UNIVERSO

É muito satisfatório acompanhar uma história tão rica em detalhes em seu universo, e aqui nem entrarei no mérito das runas pois esse tópico ainda é complexo para mim, bem como tantos outros. Me refiro a como somos apresentados a um mundo inteiramente novo em que tudo faz sentido por ser cuidadosamente bem ilustrado e explicado com tamanha devoção. Desde a toca de Bilbo e todas as suas particularidades, à descrição dos anãos, suas vestimentas, os territórios percorridos e que são pontos-chaves na história, bem como a descendência e a trajetória dos personagens. Quando li a descrição da toca do hobbit, pensei “Nossa, queria passar um tempo ali.” Quando li a de Valfenda, desejei “Que lugar mágico, quero morar lá!.” Absolutamente tudo contribui para que se crie essa aura etérea em torno da história e você fique completamente absorto na mesma.

AMIZADE E COMPANHEIRISMO

Para mim, o cerne de toda a aventura. Para um grupo desconfiado de anãos que teve, de certa forma, que acolher alguém de outra espécie para que pudessem trabalhar juntos, seus laços, ao final da história, não poderiam ter se estreitado mais. Independente das diferenças ou da falta de intimidade no início da aventura, um nunca deixava o outro na mão. Salvo um deslize aqui e ali, mas isso só contribuía para tornar a história ainda mais relacionável. A forma sutil e ardilosa com que Gandalf maneja o grupo e mostra apreço por Bilbo também me conquistou. Achei inteligente, claro, mas mais do que isso, muito nobre também, por depositar essa fé no outro e fazer com que os demais também enxergassem esse potencial e se unissem. [spoiler] Dito isso, fiquei de coração partido quando Bilbo e Thorin se desentendem perto do final da aventura e completamente inconsolável quando este morre e, pouco antes de partir, decide se reconciliar com Bilbo. Não me importo de admitir que chorei feito criança e que ainda não superei. [/spoiler]

CULTO AO QUE HÁ DE BELO NA VIDA

Esse tópico pode parecer inusitado, mas se algo me cativou no livro foi essa importância dada ao simples e palpável, mas feito em conjunto. Um exemplo é a forma com que as canções ilustram a jornada do início ao fim. Como elas tem o poder de ora incentivar e melhorar os ânimos, ora expressar a tristeza ou o infortúnio, raiva ou mau agouro, ou apenas embalar o momento com união, seja ele qual for. A forma com que é evidenciado o valor de uma boa refeição ao lado de quem importa, saboreada com calma e regada a um bom papo. A forma como quem nos acompanha em nosso caminho faz toda a diferença, por isso é muito melhor lutar, celebrar e até mesmo lamentar em boa companhia. Que a família é importante e deve ser honrada. Que não existe nada melhor do que o nosso próprio cantinho, ainda que simples, mas aconchegante.

Terminei a história com aquela sensação única que só um livro de literatura fantástica é capaz de nos proporcionar: a de transformar-se numa espécie de lar alternativo para o leitor. E embora eu ainda tenha muito o que explorar e entender a respeito desse mundo tão rico e vasto, seria um tanto simplista da minha parte classificar O Hobbit apenas como uma história infantil; há camadas mais profundas na obra que só um olhar maduro é capaz de captar e atribuir significado. Por isso, ao mesmo tempo em que fico feliz por tê-lo lido adulta, sei também que se o tivesse lido enquanto criança ele teria sido uma porta de entrada mágica para o universo da fantasia. Harry Potter cumpriu esse papel para mim, mas eu, infelizmente, não tenho um relato assim escrito sobre como me senti ao ler o primeiro livro. Cada época tem os seus ônus e bônus, afinal.

Que venham as próximas aventuras!

“Há mais bem em você do que sabe, filho do gentil Oeste. Alguma coragem e alguma sabedoria, mescladas em boa medida. Se mais de nós dessem valor à comida, à alegria e às canções acima do ouro entesourado, este seria um mundo mais feliz.”

— Thorin Escudo de Carvalho

Priscila Cardoso

Pri, 33. Tento romantizar a minha vida encontrando beleza e significado em tudo que vejo, sinto, vivo e escrevo. Publico minhas reflexões desde 2008 – o que rende a mim mesma um bom entretenimento, pois me surpreendo ao notar o quanto mudei desde então –, mas escrevo desde pequena. Já é um fato consumado que tanto a escrita quanto a leitura sempre foram – e ainda são – a minha melhor companhia.
  • Matheus

    Dá-lhe Pri, conhecendo o que há de bom!
    Muito bonitinho o último tópico que você escreveu e faz todo o sentido. Te digo que depois que você conhece Tolkien é praticamente impossível voltar atrás.
    Quando ler Senhor dos Anéis me avisa, eu gosto da visão que você tem sobre as coisas!

    Beijão!

    19 de setembro de 2024 at 16:45 Responder
  • Gabs

    SdA é a melhor saga e só minha opinião importa Huehehehae Fatos à parte, até que enfim você se deu uma chance de ler Tolkien! O Hobbit é tudo isso que você escreveu mesmo, e muito mais. Suas impressões estão muito boas e você escreve muito bem, mas você já sabe disso. Agora ficarei no aguardo da sua opinião sobre Senhor dos Anéis! Será que ainda sai esse ano? Hum?

    19 de setembro de 2024 at 8:28 Responder

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